segunda-feira, 7 de março de 2016

Quando criança, morava numa cidade que não avistava o mar: era preciso viajar até ele. Viajávamos em família para visita-lo e as visitas eram sempre em manhãs de céu com sol. O mar nos recebia com seu vento cheirando a sal sua água profundamente azul numa  imensIdade cintilante e com os minúsculos grãos de areia de sua praia, que fazia as vezes de anfitriã para nossos pés descalços e contentes. Minha irmã, minha mãe e eu de mãos dadas corríamos até a linha onde as ondas retornavam da terra para o mar sumindo embaixo da areia e deixando desenhos de montanhinhas no chão. Ali, no traçado da marca d’água feita no solo, quando o próximo passo já seria sem chance de pés enxutos ou garantia de terra firme, minha mãe parava e ensinava, antes de entrar no mar, especialmente num mar onde nunca esteve, se benza e diga:

Deus vos salve Mar Sagrado

que hoje venho visitar

Doença venho trazer

Saúde quero levar
     Desde então, a linha/fronteira desenhada pela água na areia da praia é também a soleira da porta do mar. Ali, onde antes de passar se pede licença e proteção, é a marca que avisa que estamos entrando em território sagrado e perigoso, onde sabidamente corremos risco de transformação e de não retorno. Acontece que nem sempre são manhãs de céu com sol, e no escuro das noites sem lua tropeçamos na soleira da porta. E acontece que abismos não têm soleira nem porta, e saber disso não faz diferença...

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