Meu pai viveu até 85 anos.
Gabava-se, nunca tive uma dor de cabeça,
não sei o que é isso. No geral, ele era um homem comum. Massss.... lembro-me,
desde criança, ter testemunhado um hábito que o acompanhou. Sempre. Uma espécie
de meditação diária: escavações.
Ao meio dia, de segunda a sexta
feira, ele chegava, cansado, do trabalho, para almoçar. Depois do almoço, sala
de visitas, sozinho. Ali, que também era a sala dos livros discos e radiola, escolhia
um LP – Nelson Gonçalves, quase sempre –, colocava para tocar. A sesta seguia
pela trilha sonora da seresta. Era a hora.
Sentado no sofá, recostava a
cabeça pra trás e começava uma prática milenar entre os humanos: dedo indicador dentro do nariz. Escavava. Escavava
e descartava a maioria. Até que... UMA PEPITA! Segurava-a entre os dedos, e um
esboço de sorriso acompanhava o gesto lento meditativo e inconfundível: polegar
e indicador circulando um sobre o outro, arredondando... arredondando...
A música, a sesta e as
escavações chegavam ao fim quando soavam as duas badaladas do relógio. Meu pai
guardava o tesouro no bolso.
Indicador e polegar agora apertavam suavemente as narinas, por fora. Tranquilo
e descansado, levantava-se e saía – de volta para o trabalho.
Nada pode ser afirmado como
conclusão. Só posso dizer que pratico esta forma milenar de meditar, e dor de cabeça tive poucas até hoje. Alguém mais tem algo a dizer sobre escavações meditativas?