"Toda mãe, seja ela boa ou má, é um jacaré com a
boca aberta."
Essa frase quem disse foi o meu analista. E
disse sem paixão, sem qualquer traço de sentimento algum. Apenas me dava uma informação. A minha resposta foi: e eu me sinto dentro
da boca do jacaré, sendo triturada pelos seus dentes...
Terminamos a sessão. Fico imaginando como seria
continuarmos nós três, ali, por muito mais tempo. Saímos nós dois, o jacaré e
eu.
O jacaré ocupava toda a minha cabeça.
...
...Silêncio...
? ? ?
!!!!!
E o jacaré lá. Com sua imensa boca aberta. No
meio da minha cabeça. O centro das atenções dos pensamentos que vieram em multidão
para vê-lo. E cada um falava uma coisa. Muitas coisas foram ditas. Das mais
absurdas às mais sábias. O primeiro pensamento que chegou foi:
- Meniiina, ele chamou sua mãe de jacaré !...
E logo a conversa entre meus pensamentos e ‘eu
mesma’ seguiu animada dentro da minha cabeça:
- É, e chamou a
dele também!
- Viu aí? Você chorou tanto na sessão que ele detonou logo todas as mães...
- É isso mesmo: são todas uns ja-ca-rés!
- E você chorando e sofrendo tanto por causa de um jacaré?!
- O jacaré está de boca aberta, você só entra se
quiser...
-...ou se não o vir a tempo de escapar.
- Viu? Ele abriu a boca do jacaré e deixou você
sair.
- É. Você
não se sentia prisioneira e esmagada na sua relação com sua mãe ? Esse jacaré
de boca aberta abre tantas possibilidades...
- É verdade, aaaai, que alííívio!
- Mas eu gostei mesmo foi que ele chamou toda
mãe de jacaré! Adorei! Vou fazer uma musiquinha:
Minha mãe é um
jacaré-é-é.
Nina, nina, niina.
Jacaré-é-é.
Lá lá lá láá lááá lá.
- Quer parar de criancice e ver que essa fala
recolocou a relação com sua mãe?
- Foi, abriu possibilidades. Eu posso me
relacionar com a pessoa que é minha
mãe. Hoje sou uma mulher adulta, posso me cuidar. Posso escolher como me
relacionar. Escolher estar mais perto ou distante de quem eu quiser, a
distância confortável. A boca do jacaré está aberta e estou diante e não dentro dela !
- Sim, mas e aquela sua fala: 'Não sou pura.
Tenho ímpetos de mistura.' ?
- Pois é. Um jacaré, com o bocão aberto é, ao
mesmo tempo, uma ameaça e um convite
a entrar.
- Que mania de se aproximar de tudo! Tem coisa
que é prá ver de longe, criatura!
- É verdade. Até já estou com a síndrome que
ataca depois dos 40: a síndrome do braço curto.
- A essa altura até sua vista está lhe dizendo
prá se distanciar e ver melhor.
- Sim, e por falar em ver melhor, não tem uma
coisinha que você está esquecendo?
- O quê? Que prá ficar esse tempo todo de boca
aberta o jacaré só pode ser empalhado? Hehehehe!
- Não, engraçadinha. Você não se deu conta de
que você também é mãe? Ele te chamou
de jacaré também!
- Xiii, é mesmo...
- E eu como mãe?... Acho que com a entrada de
meus filhos na adolescência, estou começando a abrir a boca e soltá-los... Mas
o bocão parece que vai ficar na espera....
- Gente!? E eu que achava que a mãe era um mamífero!
- O analista disse que elas são répteis...
- É, mas não dá prá negar o aspecto mamífero da
mãe.
- Seriam as mães uma mistura de macaco com
jacaré, uns macarés?
- Que bicho danado esse jacaré! Ele fica com a
boca aberta, mas sou eu que estou tentando digeri-lo: primeiro ele era minha
mãe, em seguida, a mãe do meu analista, depois todas as mães e, como se não
bastasse, agora sou eu!
Eu, hein?! Sai pra lá, jacaré.
(Esse texto foi escrito em 2003. )
Nenhum comentário:
Postar um comentário